Minha coleção de tartarugas-ninja é organizada socialmente. Os michelângelos, como são mais raros e como eu gosto de laranja, pertencem a classe mais alta. Eu os limpo diariamente e os guardo em caixas individuais para que o tempo e o manuseio não desgastem o plástico de que são feitos. Possuo muitos leonardos e rafaéis, são tantos que nunca tive o tempo suficiente para organiza-los devidamente. Guardo alguns em um grande baú perto da porta, os demais estão provisoriamente em uma caixa coletiva embaixo da minha cama. Desde criança eu nunca gostei tanto dos donatellos, por razões tão pessoais e subjetivas que mesmo eu não entendo e dificilmente saberia traduzi-las através de palavras. Só tenho donatellos porque meus amigos e familiares sabem da minha coleção e de meus hábitos obsessivos em relação a ela então é bastante comum que em ocasiões especiais me presenteiem com tartarugas-ninja ou com acessórios para tartarugas-ninja. As pessoas menos próximas, que não sabem da minha predileção por michelângelos, me presenteiam as vezes com os donatellos que, na minha hierarquia, fazem parte da camada social mais baixa da minha coleção. Houve uma vez que estive ausente da cidade durante alguns dias, devido a uma viagem que fiz para encontrar outros colecionadores e negociar trocas de tartarugas raras. Enquanto estive fora, os cachorros que moram comigo, que se satisfazem mastigando meus objetos, alcançaram alguns de meus rafaéis debaixo da cama e arrancaram-lhes as extremidades de seus membros. Esses rafaéis danificados se uniram aos donatellos formando assim um só grupo marginal de tartarugas-ninja, que ocupa a posição dos aleijados, dos delinqüentes e dos homossexuais de uma sociedade. O fato das minhas tartarugas serem objetos inanimados as impede de transtornar a minha organização, subdividindo-se em possíveis facções de donatellos jacobinos e leonardos bolcheviques. Eu sou o ditador vitalício dos meus brinquedos. |