Lauda 11/07

 

      A Senhora P, de 87 anos, passa várias horas lendo a mesma página do mesmo livro. Sentada `a mesa acompanha pacientemente com o dedo a linha em que seus olhos pousam. As vezes o dedo permanece muito tempo na mesma linha. Outras vezes vai velozmente até o final da pagina e volta ate o inicio, e assim começa de novo.

     Chega uma hora em que vira a página e então permanece nela outro longo intervalo de tempo, subindo e descendo as linhas, as vezes estacionando por um tempo exagerado em algumas delas. Quando se levanta por algum motivo, ao voltar a mesa, retoma o livro na mesma pagina, as vezes na anterior, ou, se o livro esta fechado, em qualquer ponto que venha abri-lo.

     P. não apenas não grava o que leu , também não grava o que come. Pode já ter almoçado, mas se ve a sobrinha que sempre chega atrasada sentar-se a mesa senta-se também. Se nao for detida, almoçará tantas vezes quantas perceber alguem almoçando na casa. A irmã que cuida dela tem o cuidado de nao deixar nenhuma comida exposta na casa.

     Em um esforço constante para lembrar o que tinha esquecido P. acabou, gradualmente, por se lembrar do que tinha de esquecer:

 

Não se lembrava de nada.

 

FQ

 

 

Lauda 09/05

 

É realmente muito ironico como voce ainda consegue ficar passado com a sua passividade. Simplesmente entregue a superficialidade que voce convenientemente se condicionou a aceitar não luta pelo que quer e dentro de voce mais uma implosão silenciosa. O barreira entre o fernando de dentro e o de fora que voce construiu com tanto esmero agora te sufoca e te impede de demonstrar qualquer forma de espontaneidade, qualquer impulso real e verdadeiro. Bem vindo ao baile de máscaras. Espero que a sua consiga amenizar sua expressão de insatisfeito, já que essa parece ter se colado a sua cara. Uma máscara maior e mais grossa, já que a frustração emerge para cada poro da sua face e por tras desta pretensiosa calma um olhar mais dedicado desvendaria facilmente todo e qualquer motivo para essa insatisfação.

 

FQ

 

  

Lauda 29/08

 

 

Difícil escrever sobre Deus quando não se tem certeza do que Deus significa. Não consigo entender como transferir medos e angustias para algo superior e inatingível faz sentido e encarar, discutir e exacerbar sentimentos tão humanos é visto como sinal de fraqueza. Se a religião de certa forma serve para amortecer as angustias da alma e fazer esquecer ou ignorar os problemas e questões não consigo vê-la como nada alem de uma droga.

 

Se sentir e sofrer 'e o que nos faz humanos, qual o sentido de transferir isto para uma imagem ou símbolo? Qual o sentido de se apoiar em algo que não se pode tocar? Acho muito hipócrita e alienado acreditar que rezar e ajoelhar diante de Cristo seja a solucao para lidar com os problemas, ainda mais quando se sabe que a imagem de Cristo nao vai se mexer e dar tapinhas de consolo na suas costas.

 

FQ