Antes da casa, veio o homem, que de súbito, quis se construir. Achou a melhor das maneiras, aquela de se destruir. Se desfezer em partes pra se organizar melhor, mais eficiente, ou não. Pensou por um tempo,  para elaborar a melhor maneira de começar. Sabe que o que divide é faca, então pegou, e foi cortar.
Começou pelo pé, que alcançava melhor. Segurou firme em seus dedos, todos expremidos. Ficou com as pontas dos pés brancas e achou aquilo bonito, puro. Pensou que o melhor seria tirar o sangue, pois não queria partes  molhadas, vermelhas. Pensou que isso atrapalharia os blocos de sua construção.
Lembrou da galinha que alguém comeu, e que para o molho, primeiro pendurou a galinha de cabeça para baixo para tirar o sangue. Como ele se penduraria?  Olhou para a trave que corria o teto, e jogou a corda que lhe amarrava o pé por cima da trave amarrada em uma cadeira que estava em cima de trinta e três cadeiras. Quando chutou a primeira cadeira, as trinta e duas cadeiras cairam e puxaram seu pé para a trave. Ficou satisfeito. Então pegou a faca e lhe cortou o pescoço, como o da galiha, rápido e fundo.
Quando acordou e se viu branco, resignou se com o roxo que veio junto com o branco. Roxo e um pouco de preto. E verde. Mas achou aquilo puro, formal.
Começou pelo pé que alcançava melhor. Segurou firme em seus dedos, todos expremidos, mas ainda roxos, pretos, e verdes, e brancos. Cortou o primeiro pé fora, e não sentiu nada. A panturrilha foi mais rápido, e a  coxa demorou mais. pensou em separar o femur em duas partes, para perder mais forma, e ser mais peça. Continuou e foi cortando. Não sentia nada. Só  cortava, pensando que dalí sairía, pleno, construido, realizado.
Quando começou a cortar a última mão, ficou aflito, na verdade excitado. Queria poder começar a se construir logo, para poder se abrigar se conhecer, e a partir daí se formar no que quisesse, no que quisesse. Com fluidez. As possibilidades seriam infinitas, e ele nunca mais sentiria angustia, pois poderia se reagrupar sempre, rearticulando.
No fim, quando viu-se lá, partido, nem mais partido, pois não se juntava mais, não havia mais memoria do que foi um dia, era apenas coisa, não tinha mais lugar para alma, vida. Viu-se coisa. Viu-se objeto, frio, inerte, sem a possibilidade de se reagrupar, sem articulações para articular. Ficou lá, espalhado, corformado, sozinho. Lamentou-se.