Padaria

 

Me interessa, certamente, o labor das coisas. Não posso dizer que seria a técnica, mas a forma de deixar nossos feitos mais românticos, ou de outro modo, aquele sentimento que nos faz não duvidar das coisas. Eu poderia, aqui, iniciar um devaneio sobre os pães:

 

                 Do singelo cereal a 8.000 anos,

                 Cheiro que nos embriaga,  

                 É o calor do forno que nos dá isso.

 

A verdade é que, longe de ser uma presunção, optei pelo meu lado asséptico, que de forma alguma considero histérico:

 

Concentrados nas prateleiras com luz fria, vemos, nas superfícies dos pães aquilo que deve nos hipnotizar. Ninguém de certo pensa, que o padeiro respira farinha no tempo de seu feito, ou que ali caem gotas de seu suor, quando decide abdicar das indesejáveis máquinas e manusear suas massas. Os padeiros, sem querer, também deixam, sem perceber, alguns pêlos por entre os pães. Pêlos que se desprendem dos braços e das mãos e que depois dançam pelo ar enfarinhado e aterrizam suavemente na brancura das massas. Não deveria afirmar que digerimos o padeiro, seria uma homenagem pueril ao nosso defasado canibalismo. Tratá-se, sim, de compreender uma prática milenar.  Por isso não restaria limitar-me somente no chamado do olfato e da visão, na arapuca do sofisticado e no cheiro que nos causa um terrível aconchego caseiro.

 

Giorgia Mesquita

 

 

Sobre o não-falar

  E necessário falar menos para não se dar agulhadas, preferir que fique tudo guardado como a compota açucarada que se come nos momentos de carência, nos lapsos cotidianos que aparecem no ato da degustação. Calar-se é amar-se mais, deixar nuvens pairando por debaixo das nossas costelas. Sim..., pois a imagem do osso nu e seco não evidência suas matrizes. O osso estéril não é silencioso, é ignorado, assim como os medíocres nas mesas de discussão. Apesar de que o medíocre por muitas vezes é o agredido incrédulo, o usurpado pela falta de decência do outro que domina a linguagem, tem um excesso aporrinhante de fraqueza que causa vomição. O silêncio é aprimorado, faz vibrar com detença, dissimula com sensatez, caminha com intrepidez, afeta com insipidez, rebusca com supressão. O anódino é o limiar, a falta de cognição nos atos, a vulgaridade mediana que deturpa a vulgaridade afetada do silêncio. Libar o osso envolto por carne, deixá-lo seco e agredi-lo com serenidade é a astúcia do ato silencioso.

Não se envolve o silêncio, não existe estrutura que o circunda, sua retórica é plasmante, difere do vácuo, da rudeza sentimental do insosso, faz sentir prazer com desmesura, acredita na circunspeção, não embota o tempo solitário.  Como o rolo de papel higiênico no banheiro, que desenrola, se desprende com um mínimo de força e se despedaça com a água, o silêncio rompe-se num ato único. Não pelo som emitido de uma corda vocal, mas pela displicência daquele que pronuncia sem cadência, sem ânimo e com receio da eficácia.

Como a baga que dá origem a um purê, ser ato silencioso é não cobrar além do que a maçã traz consigo, estudá-la sem insatisfação ao ignorar o ornato cavalar, transpor a primeira instância ao não abreviar o doméstico. É no silêncio que mora a calmaria, matéria primorosa por ser sofisticação sem pedância, porque não antecipa o que está por vir, porque não se faz aparecido. Marco Aurélio quando escreve sobre Apollinius diz que este conseguiu combinar intensidade com relaxamento, explanar sem ser impaciente. Poder-se-ia acrescentar que o impaciente é o displicente descompassado, que fecunda antes de ser chamado, que regurgita toda a glicose indigesta. Antes de ser processo alucinatório, o ato silencioso não é econômico na dimensão dos elementos que compõem o falso apagamento do silêncio.

 

 

Giorgia Mesquita

 

 

Domingo

 

Para você que nesses dias de folga resolve ler além. Ler suas próprias palavras quando escreve, numa tentativa de esvaziar-se. É mais fácil delirar como leitor, para você que pensa a imagem. Se  os escritores sofrem mais pode ser devido ao processo de seu trabalho. Aquilo vai, e vai indo, até aonde pára. Abstração de linguagem que dá origem complexa, que deixa você delirar, te leva para outro espaço. Depois você volta e relembra em fragmentos ou como uma nuvem tênue que te traz o gosto do que foi lido. É chato aquele que escreve sobre isto aqui, mas pensei outro dia, que escrever assim faria liberar minha chatice. Tenho dedicado muitos fragmentos de texto à minha chatice.  Resolvi assumir esta qualidade na escrita, mesmo porque a maioria dos textos é dedicado à um leitor inexistente. Assim fica coerente. Mas escrevi isto agora porque pensei que escrever bem deve arder, além de ser especialmente charmoso. Se te agrada a idéia, você pode pensar no silêncio necessário para tal labor, mesclado com o barulho das teclas do computador e o manusear de folhas.

 

G.M.