O corredor
O menino branco corre incansavelmente, sem camisa, por um corredor levemente escuro, forrado de veludo cor-de-vinho. O chão também é forrado deste veludo, e o tênis de sola emborrachada faz com que o menino caia a cada doze ou treze pernadas. Mas o sangue que escorre dos joelhos dele, é suficiente para manchar sua, já suja, bermuda de algodão. E o chão nunca muda de cor.
Há poucos metros de suas costas, uma velha obesa, vestida de um poliéster preto que demarca toda a sua gordura, corre como uma velocista em sua direção. Ela parece cansar menos que o menino.
O desespero do menino cresce a cada vez que olha para trás e vê a imagem daquela velha pálida, balançando junto aos seus seios moles, e pernas totalmente flácidas, sem dizer uma palavra. Toda vez que o menino tropeçava e rolava, a velha jogava o seu próprio corpo mole no chão, como se já esperasse o momento da queda do menino para se jogar também.
O que mais assustava o garoto, era o modo frio como a velha se comportava. A cada tombo, ele só escutava o barulho surdo da carcaça dela batendo no chão, como se um gigante batesse uma palma na outra. E nada mais fazia, a não ser levantar e correr. Ao contrario dele, ela não geme de dores durante a queda, e nem depois, ao correr.
Ele, franzino, com seus óculos de lentes já trincadas, chora muito de desespero. É inútil pensar em parar e se render para aquela velha. Para ele o único a se fazer é correr, e olhar algumas vezes para trás, para medir rapidamente a distancia do espaço entre as suas costas e a frente da velha. A medida não variava. Parecia que ela tinha gosto ao ver o menino correr aos berros, sem a mínima pretensão de alcançá-lo.
A feição dela era a mesma: olhos quase fechados de tantas rugas, banhas por toda parte do corpo, e o queixo para frente, indicando ausência de dentes. Seu cabelo era ralo e prateado. O poliéster não cobria suas canelas, cheias de varizes esverdeadas. Suas unhas, tanto dos pés, quanto das mãos, eram vermelhas. A velha corria descalça.
Após mais um tombo dolorido, o menino avistou a velha, que por sua vez levantava de uma barulhenta queda: ele percebeu que além do barulho surdo, houve um gemido que não o de sua dor. O medo aumenta, e ele continua a fuga até sentir uma cãibra em sua perna esquerda. Começa a cambalear inevitavelmente, e um grito alto, vindo do estômago doente da velha, vem por de trás do menino. Ele já não pode mais correr, e a velha grita cada vez mais alto, como quem quer dizer algo mas não consegue. Dessa vez o magricelo cai sabendo que não pode mais levantar. E aos berros, assiste com dor e medo a imagem mole da velha correndo em sua direção, em meio a gritos saídos de sua boca fechada. Ela não para em nenhum momento, e desse modo, tropeça no menino e rola em meio a piruetas involuntárias, e barulhos de peles debatendo umas nas outras. Após o tombo, ela se levanta silenciosamente e olha para trás, avistando o menino aos prantos, no chão. Subitamente, ela olha para a direção que corria até tropeçar nele, e retoma a correria. O menino assiste a velha distanciando-se, e sumindo na escuridão. Ele ainda não havia percebido que o veludo que forrava o corredor, tornara-se negro.