Eu queria morar numa sobre-loja, bem em cima de uma padaria. Eu bem que poderia pedir um emprego pro padeiro: se bem que não. Mas se eu conseguisse uma oportunidade para trabalhar no caixa, talvez eu ganharia bem. Se bem que eu sempre comeria meu pãozinho gratuito, com a mão suja de real e com cheiro de moeda. Fora que eu com certeza cansaria a mim e aos outros por devolver o troco errado. Constrangedor, isto seria. Mas se eu arrumasse uma vaga na parte de frios, para ficar cortando presunto parma e queijo gouda o dia inteiro, poderia ser bom. Não, não... eu... eu trocaria o nome de todos os queijos e teria ataques de riso ao ver os gordos que ficam pedindo para experimentar os diferentes tipos de mortadela – para engordar sem pagar – e eles ficariam constrangidos: aí eu teria que lembrar, na hora, de uma piada de padeiro para disfarçar e despistar os gordos gulosos, para eu não tomar bronca. Se bem que eu tomaria bronca de qualquer jeito. Pior! E se eu conseguisse perder uma falange na maquina de cortar frios? Impossível, mas uma fatia de dedo, com certeza apareceria no meio dos duzentos gramas de salame do freguês. Demissão na certa. E, falando em demissão, português, além de brabo, é dono de padaria. E se eu me apaixonasse pela filha do suposto Manuel? Não! Nisso não dá nem para pensar! Agora, se eu conseguisse um emprego enfiando, literalmente, a mão na massa, seria no mínimo terapêutico... imagina só, eu recebendo um dinheirinho para amassar farinha com ovo, ganhando para aliviar o estresse. Isto seria de bom tamanho. E ainda poderia manter o meu aluguel, sem pagar analise. Mas se a filha do padeiro fosse bela, eu precisaria de análise. Simplesmente pelo fato de ser um demitido. Se bem que se eu fosse demitido, eu não teria dinheiro para pagar a terapia e muitos menos o aluguel. Mas e se o padeiro aceitasse o romance? Impossível. Somente se a moça fosse feia. Não pelo fato das feias conseguirem o aval do pai muito mais facilmente. Simplesmente pelo fato de não poder ocorrer as duas coisas ao mesmo tempo: padeiro gente fina, e a filha gata. Impossível. Aliás, desencana! Nem queria mais morar numa sobre-loja, bem em cima de uma padaria. Deve dar muito trabalho: se bem, que não! Muito pelo contrário! Para matar a fome, com pão fresquinho, mortadela e um suco del valle, seria só descer alguns lances de escada. Mas e se a padaria fosse assaltada? Aí, quem estaria na roça seria eu, que, além de não ter nada a ver, teria de abrigar a porcaria do bandido fazendo o padeiro de refém na minha própria sala. Os pê-emes arrombariam a minha porta, e, obviamente, não cobririam o orçamento do conserto. Mas se eu salvasse a vida do padeiro, dando uma panelada no bandido, eu talvez nem precisasse pagar mais o aluguel da sobre-loja: o português, dono da propriedade, me presentearia o cafofo como forma de recompensa. Não...melhor ainda! E se a filha do padeiro, salvo pela panelada, fosse formosa? Aí então eu estaria feito! Acho que vou procurar, sim, uma sobre-loja. Mas teria de ser em cima de uma padaria. Mas e se fosse em cima de um açougue? Ave.
Henrique Cesar |